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Os dez anos da Lei do Bem26/10/2015
A Lei do Bem (Lei nº 11.196, de
2005), que institui benefícios fiscais federais às atividades de inovação desenvolvidas
em território nacional, completará uma década no próximo mês de novembro, mas
não há clima para festejo: os incentivos fiscais foram alvo do programa de
ajuste fiscal do governo federal e acabaram suspensos pela Medida Provisória
(MP) nº 694. A restrição vale apenas para o ano-calendário de 2016. Não há
tempo, porém, para lástima. O regime brasileiro de incentivos fiscais à
inovação, estratégico num momento de crise e premência de iniciativas rumo ao
desenvolvimento econômico do país, já está defasado e os esforços devem se voltar
para sua evolução.
Fecha-se um ciclo de consolidação
do regime, via regulamentação por meio do Decreto nº 5.798, de 2006, da Instrução
Normativa nº 1.189, de 2011, e das portarias do Ministério da Ciência
Tecnologia e Inovação (MCTI), como também do aprendizado da aplicação da
legislação, pela difusão, no mercado, dos seus conceitos e das melhores
práticas nos diversos setores da atividade econômica.
Por outro lado, a proliferação
das iniciativas análogas nos diversos países do globo chama atenção para a necessidade
do regime brasileiro atualizar-se para manter-se competitivo num cenário de
múltiplas jurisdições disputando os investimentos de pesquisa, desenvolvimento
e inovação (P, D & I).
O regime brasileiro de incentivos fiscais à inovação já está defasado e
os esforços devem se voltar para sua evolução
Neste contexto, as discussões no
Congresso Anual da Associação Fiscal Internacional transcorridas no início do mês
de setembro na Basiléia, Suíça, onde as políticas de incentivo fiscal de P, D
& I formaram um dos tópicos de debate, apontam os caminhos que o Brasil
deve seguir se pretende se colocar como um player relevante no cenário global,
como uma jurisdição fiscal atrativa para investimentos de P, D & I.
Primeira reflexão que o Brasil
deve fazer é sobre uma migração de um regime de superdedução para um de crédito
de imposto. As operações de P, D, & I se caracterizam por elevado risco, de
modo que o registro de prejuízos sucessivos é uma realidade nos primeiros anos
de vida de tais projetos e não deve ser um impeditivo para a fruição dos
benefícios fiscais, como hoje ocorre. A possibilidade de manutenção dos
créditos não compensados para utilização em exercícios posteriores
(carryforward) e mesmo de reembolso de tais valores são medidas de impacto na
atratividade do regime de incentivos.
De se refletir também a
uniformidade do regime brasileiro: todo contribuinte que promova inovação deve
ser contemplado com benefícios, o que implica que a Lei do Bem deve deixar de
se aplicar apenas a grandes empresas, optantes pelo lucro real, como hoje
ocorre, para beneficiar também micro e pequenas empresas, optantes pelo Simples
Nacional, trazendo, assim, para o âmbito de sua ação indutora, todo o pulsante
universo de startups e pequenos empreendedores que desenvolve papel fundamental
nos ecossistemas de inovação de qualquer país e que hoje está excluído do nosso
sistema de estímulos fiscais.
Por fim, a possibilidade de
subcontratação das atividades de P, D & I é, na gestão estratégica de
ativos de propriedade intelectual dos grupos multinacionais, um aspecto
decisivo na atratividade dos regimes de incentivos. Neste sentido, a legislação
brasileira deve evoluir não apenas para contemplar expressamente tal
possibilidade, hoje controversa, mas para conferir os devidos limites,
inclusive nas operações de subcontratação intragrupo e de subcontratação
internacional, impedindo, por exemplo, que duas empresas possam se apropriar de
benefícios pelas mesmas atividades e despesas de P, D & I.
A necessidade de complementar os
incentivos vinculados às despesas com P, D & I (inputs de inovação) com a instituição
de incentivos vinculados aos rendimentos decorrentes das atividades inventivas
(outputs de inovação) também é uma realidade inolvidável. Os regimes de patent
box vieram para ficar: como indicam as recentes discussões no âmbito da OCDE,
os regimes favorecidos de tributação da renda decorrente da criação e
exploração de novas tecnologias se disseminam em todas as jurisdições fiscais
relevantes e o Brasil não pode ficar alheio a tal realidade.
Nesse cenário, o Brasil, como
eventual entrante tardio nessa modalidade de política, pode se beneficiar dos estudos
da OCDE, em especial aqueles relacionados ao Plano de Ação Base Erosion and
Profit Shifting (BEPS) nº 5, de combate a práticas fiscais prejudiciais. A
OCDE, por meio da abordagem de nexo causal (modified nexus approach), formulou
balizas para ancorar a aplicação dos regimes de tributação favorecida das
rendas oriundas de intangíveis aos critérios de substância econômica do BEPS,
de modo que a atribuição de níveis de tributação favorecido a rendas oriundas
de patentes ou propriedade intelectual análoga a patentes deve estar vinculada
com o efetivo desenvolvimento, pelo contribuinte, de atividades de P, D & I
que deram causa aos ativos geradores da renda objeto da tributação.
O protagonismo da inovação no
desenvolvimento econômico e no bem-estar da população deposita nos Estados, e não
apenas no mercado, a responsabilidade de impulsionar os investimentos que
afinal reverterão, sob a forma de tecnologia, em benefício de toda a sociedade.
Um dos motores deste spillover
deve ser a política tributária, de modo que já não se trata mais de ter um
regime de incentivos fiscais à inovação, mas sim de ter um regime de incentivos
que seja competitivo no cenário internacional para que possa atrair os
investimentos em tecnologia de que o país necessita. Que os percalços recentes
sirvam para que se voltem as atenções a este desafio, e assim sejam o motor dos
trabalhos em prol da evolução deste marco legal, rumo à consolidação de um
ambiente de inventividade à altura das aspirações e do potencial do povo
brasileiro.
Aristóteles Moreira Filho é mestre em direito tributário pela PUC-SP e
Ludwig-Maximilians Universität München, doutorando em direito pela USP e
pesquisador do Centro de Estudo Sociedade e Tecnologia (Cest), da Poli-USP.
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