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Comentário - Medida Provisória n. 685/2015 cria progama de redução de litigiosidade tributária e dever de declaração de planejamento tributário28/07/2015
O
Governo Federal emitiu, por meio da Medida Provisória n. 685, de 21 de julho último,
regras institutivas de dois regimes tributários relevantes para os
contribuintes, (i) o PRORELIT, Programa de Redução de Litígios Tributários, que
permite a utilização de prejuízo
fiscal e
base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido para a quitação de débitos de competência federal em contencioso administrativo ou judicial e (ii) uma declaração de planejamento tributário
abusivo, mediante dados a serem fornecidos ao Fisco Federal pelo contribuinte
que incorrer em tais estruturas.
Programa de Redução
de Litígios Tributários (“PRORELIT“)
Um dos destaques da medida provisória nº 685 é a instituição do Programa
de Redução de Litígios Tributários (PRORELIT), que possibilita ao contribuinte utilizar
créditos de prejuízos fiscais e de base de cálculo negativa da CSLL para a
quitação de débitos em discussão administrativa ou judicial perante a
Secretaria da Receita Federal do Brasil ou a Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional.
Sobre o tema, vale esclarecer que a legislação do imposto de renda
permite à pessoa jurídica compensar eventuais prejuízos fiscais apurados em
períodos anteriores com o lucro-real apurado no período-base, observado o
limite de redução de 30%. Tal compensação leva em conta a dinâmica da atividade
da empresa, de forma que o imposto somente será pago se houver efetivo aumento
do seu patrimônio, sendo permitida a compensação em caso de prejuízo.
A redução do lucro real mediante compensação do prejuízo fiscal, por si só,
não constitui um benefício fiscal; seu objetivo é projetar fiscal e
contabilmente a continuidade da atividade empresarial através dos exercícios. O
mesmo raciocínio é aplicável para a compensação de base de cálculo negativa da
CSLL.
A hipótese de pagar débitos com prejuízo fiscal, todavia, e ainda de
empresas do mesmo grupo econômico ou responsáveis tributários, é um benefício
concedido aos contribuintes, sendo esta a grande importância do artigo 1º da
Medida Provisória n° 685, que dá a oportunidade ao contribuinte com débitos de
natureza tributária, vencidos até 30/06/2015 e em discussão administrativa ou
judicial, de utilizar os créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo
negativa da CSLL, apurados até 31/12/2013 e declarados até 30/06/2015, para a
quitação de débitos em contencioso administrativo ou judicial, através do
PRORELIT.
A MP permite, após a utilização total de créditos próprios, compensar
aqueles provenientes de empresas controladora e controlada, de empresas
controladas direta ou indiretamente por uma mesma empresa, desde que se
mantenham nesta condição até a data da opção pela quitação. O contribuinte
poderá, ainda, utilizar os créditos do responsável ou do corresponsável pelo crédito
tributário em contencioso administrativo ou judicial. A previsão possibilita
que, num mesmo grupo econômico, uma empresa que tenha prejuízos fiscais
acumulados seja utilizada para reduzir o passivo fiscal das demais empresas,
lucrativas.
A opção de utilizar os créditos deverá ser feita mediante requerimento
apresentado até 30/09/2015, observadas as seguintes condições: (i) o sujeito
passivo deverá comprovar a desistência expressa e irrevogável das impugnações
ou dos recursos administrativos e das ações judiciais que tenham por objeto os
débitos que serão quitados e renunciar a qualquer alegação de direito sobre as
quais se fundem as referidas impugnações e recursos ou ações; (ii) pagamento em
espécie equivalente a, no mínimo, 43% do valor consolidado dos débitos
indicados para a quitação, que deverá ser efetuado até o último dia útil do mês
de apresentação do requerimento (iii) quitação do saldo remanescente mediante a
utilização de créditos de prejuízos fiscais e de base de cálculo negativa da contribuição
social sobre o lucro líquido.
Para a quitação integral do saldo remanescente, serão aplicadas as
seguintes alíquotas: (i) 25% sobre o montante do prejuízo fiscal; (ii) 15%
sobre a base de cálculo negativa da CSLL, no caso de pessoas jurídicas de
seguros privados, de capitalização, dos bancos de qualquer espécie, distribuidoras
de valores mobiliários, corretoras de câmbio e de valores mobiliários,
sociedades de crédito, financiamento e investimentos, sociedades de crédito
imobiliário, administradoras de cartões de crédito, sociedades de arrendamento
mercantil, cooperativas de crédito e associações de poupança e empréstimo;
(iii) 9% sobre a base de cálculo negativa da CSLL, no caso das demais pessoas
jurídicas.
Cumpre mencionar que o programa não abrange
débitos decorrentes de desistência de impugnações, recursos administrativos e
ações judiciais que tenham sido incluídos em programas de parcelamentos
anteriores, ainda que rescindidos.
Por fim, esclareça-se que o requerimento suspende a exigibilidade das
parcelas até ulterior análise dos créditos utilizados, que poderá ser feita em
até cinco anos pela Receita Federal do Brasil.
Dever de declaração do
Planejamento Tributário
O
dever de declaração do planejamento tributário abusivo, por sua vez, aplica-se
ao contribuinte que, ao implementar
planejamento tributario, pela prática de atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão,
redução ou diferimento de
tributo, incidir em umas das três hipoteses que seguem:
I - os atos ou negócios jurídicos praticados não possuírem
razões extratributárias relevantes;
II - a forma adotada não for usual, utilizar-se de negócio
jurídico indireto ou contiver cláusula que desnature, ainda que parcialmente, os efeitos
de um contrato típico; ou
III - tratar de atos ou negócios jurídicos específicos previstos em ato da Secretaria da Receita Federal
do Brasil.
O
regime visa prover o Fisco com informações sobre planejamentos tributarios
abusivos ou agressivos (i) em um tempo antecipado e (ii) com um nivel de
informação mais abrangente e detalhado do que ocorreria se a fiscalização se
mantivesse adstrita aos mecanismos tradicionais de declaração (obrigações acessórias
cumpridas pelo contribuinte) e auditoria (procedimentos de fiscalização
conduzidos pela autoridade administrativa).
A
instituição desse tipo de norma não é uma invenção brasileira. Estados Unidos,
Canadá, África do Sul, Reino Unido, Portugal, Irlanda, Israel e Coréia do Sul já
têm em seu sistema tributário uma regra semelhate, denominada mundialmente como
Mandatory Disclosure Rule ("MDR").
Mais
ainda, a instituição desse mecanismo de controle faz parte das iniciativas da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico ("OCDE"),
organização internacional que reúne 34 países e de forte atuação na discussão
de politicas tributárias no âmbito internacional, com a qual o Brasil assinou
acordo de cooperação este ano de 2015. No contexto do projeto BEPS (Base
Erosion and Profit Shifting) da OCDE, que visa combater práticas abusivas de
planejamento tributário internacional por grandes corporações multinacionais, a
instituição de MDR corresponde ao Plano de Ação n. 12 ("Action Plan n.
12"), de modo que os Fiscos nacionais, que estão se organizando
cooperativamente, devem a médio prazo implementar uma solução dessa natureza de
uma forma disseminada e sistemática, não sendo, portanto, de todo uma surpresa
a recente implementação de tal modelo pelo Brasil.
Nesse
sentido, a experiência internacional com esse tipo de norma é útil e
ilustrativa para que o contribuinte brasileiro supere o temor e a ansiedade
iniciais decorrentes da recente criação dessa figura no país.
Em
princípio, deve-se ter em conta que a norma não visa submeter toda e qualquer
transação com impacto tributário ao dever de informação. De fato, toda e
qualquer decisão negocial num contexto empresarial, que seja de relevância econômica,
financeira ou patrimonial, tem um impacto tributario, e deve-se partir da
premissa segundo a qual a gestão de uma empresa, visando lucro, se pautará sempre
pela decisão que otimize a rentabilidade do negócio, o que implica que todos os
custos, inclusive os tributários, devam ser os menores possíveis. Não é o
escopo da norma inundar o Fisco com dados de transações rotineiras das
empresas, mas apenas aquelas que (i) visem exclusivsmente economia tributária e
não tenham um proposito negocial (item "a" acima); (ii) cujos efeitos
pretendidos, vinculados à economia fiscal, não correspondam à sua forma (item
"b" acima); ou aqueles atos de economia tributária que, por não se
sustentarem em face da lei, sejam listados em ato da Receita Federal (item
"c" acima).
Vê-se,
portanto, que a regra busca identificar apenas estruturas abusivas ou
agressivas de planejamento fiscal, o que representa um conjunto especifico
dentro do universo de operações que as empresas realizam regularmente. Os
números da experiência estrangeira demonstram isso: no Reino Unido, desde 2004,
foram informadas dentro da regra de MDR local cerca de 2500 operações; na África
do Sul, desde 2009 foram reportadas apenas 582 operações.
Além
disso, a iniciativa da OCDE, e de muitos paises que implementaram a medida,
esta voltada sobretudo para o combate de planejamentos tributários abusivos no âmbito
internacional, com a alocação dos lucros e rendimentos em países com tributação
favorecida, via estruturas artificiais que não desenvolvem qualquer atividade
economica efetiva. Nessa dimensão, a atividade sensível do contribuinte
brasileiro é ainda e significativamente menor, comparado com os níveis
internacionais.
A
expectativa, portanto, é que o escopo da norma brasileira seja limitado, o que,
inclusive, pode-se confirmar por eventuais restrições adicionais de aplicação a
serem instituídas por ocasião da sua regulamentação, a exemplo de valor mínimo
da economia tributária relevante. Tais circunstâncias se confirmam pelos
proprios conceitos complexos que a norma utiliza para delimitar as hipoteses de
declaração obrigatoria. Os conceitos de proposito negocial, abuso de forma, dentre
outros, são de elevada complexidade e controversa aplicação no caso concreto, o
que a própria jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
(CARF) demonstra. Muitas vezes as mesmas estruturas são consideradas pelo CARF
planejamento abusivo, em alguns casos, e estruturas legitimas, em outros. Os
casos de dedutibilidade do ágio em operações de fusão e aquisição são
simbolicas desse desafio.
O
risco de não informar corresponderá, alem de multa formal que deve ser instituída
pela Receita Federal no momento da regulamentação da medida, à aplicação de uma
presunção de dolo ou intuito fraudulento, caso o planejamento abusivo seja
identificado posteriormente pela fiscalização: o Fisco considerará, caso
confirmada a irregularidade do planejamento tributário implementado, que o
contribuinte agiu com dolo, intuito de sonegação ou fraude, resultando na
cobrança do tributo e da multa qualificada de 150%. Evidente que dolo ou
fraude, por se tratar de um aspecto intencional, subjetivo, da conduta do contribuinte,
não se pode presumir, razão pela qual esse já é um dos pontos polêmicos e
possivelmente inconstitucionais, do regime instituído.
Por
outro lado, a mera informação não implica que o planejamento seja considerado
indevido, de modo que a informação é recebida pelo Fisco com os efeitos de uma
consulta fiscal, e deverá gerar uma decisão, vinculante para aquele
contribiunte, da autoridade fiscal sobre a legitimidade ou não da estrutura
adotada. Dessa forma o regime gerará, afinal, segurança juridica para o
contribuinte, quanto à possibilidade de utilizar-se ou não do planejamento
informado, podendo o contribuinte, inclusive, fazer uso, na hipotese de
quesitonamento pelo Fisco, dos meios de defesa e recursos, administrativos e
judiciais, disponiveis, visando defender a sua autonomia privada e a sua fruição
através de estruturas de menor custo fiscal.
Como
se vê, a introdução de MDR no Brasil não há de intimidar os contribuintes, ou
mesmo demovê-los de adotar as estruturas negociais e pautar as suas transações
e negócios pelas formas de menor custo tributário, objetivo que deve ser perene
na gestão empresarial, notadamente nos momentos de crise e num contexto de
economia de mercado, em que a elevada concorrência exige que a redução de
custos seja encarada como uma verdadeira obsessão.
Necessário
se faz, em qualquer hipótese e ainda mais diante do contexto da recente
instituição do dever de informação, que o contribuinte faça uso do planejamento
tributário de forma consistente e estruturada, de sorte que, se for para
contribuir nesse sentido, a nova norma já repercute positivamente para a gestão
tributária das empresas. Em qualquer hipótese, a implementação do planejamento
tributário deverá introduzir na avaliação de risco os desdobramentos da MP n.
685/2015, quanto ao dever de informação e suas implicações.
Ao
fim, a MP n. 685/2015, tanto quanto ao PRORELIT quanto à MDR, apresenta
oportunidades não apenas para o Fisco, mas também para os contribuintes, o que
requer seja a nova legislação avaliada e suas possibilidades exploradas, por
cada empresa, visando, como sempre e mais do que nunca, otimizar o custo fiscal
e a rentabilidade do negócio.
Quadro-resumo Medida Provisória nº 685/2015 |
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Programa de Redução de Litígios Tributários - PRORELIT |
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Dispositivo |
Previsão |
Art. 1 |
Fica instituído o
Programa de Redução de Litígios Tributários - PRORELIT, na forma desta Medida
Provisória. |
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§ 1º O sujeito
passivo com débitos de natureza tributária, vencidos até 30 de junho de
2015 e em discussão administrativa ou judicial perante a Secretaria da
Receita Federal do Brasil ou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá,
mediante requerimento, desistir do respectivo contencioso e utilizar créditos
próprios de prejuízos fiscais e de base de cálculo negativa da Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, apurados até 31 de dezembro de
2013 e declarados até 30 de junho de 2015, para a quitação dos débitos em
contencioso administrativo ou judicial. |
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Art. 2 |
O requerimento de que
trata o § 1º do art. 1º deverá ser apresentado até 30 de setembro
de 2015, observadas as seguintes condições: |
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Art. 4 |
O valor do crédito a ser
utilizado para a quitação de que trata o inciso II do caput do art.
2o será determinado mediante a aplicação das seguintes alíquotas: |
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I
- vinte e cinco por cento sobre o montante do prejuízo fiscal; |
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III
- nove por cento sobre a base de cálculo negativa da CSLL, no caso das
demais pessoas jurídicas. |
Art. 5 |
Na hipótese de
indeferimento dos créditos de prejuízos fiscais e de base de cálculo negativa
da CSLL, no todo ou em parte, será concedido o prazo de trinta dias para a
pessoa jurídica promover o pagamento em espécie do saldo remanescente dos
débitos incluídos no pedido de quitação. |
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Art. 6 |
A quitação na forma
disciplinada nos art. 1º a art. 5º extingue o crédito tributário
sob condição resolutória de sua ulterior homologação. |
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Dever de declaração do Planejamento Tributário |
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Art. 7 |
O conjunto de operações
realizadas no ano-calendário anterior que envolva atos ou negócios jurídicos
que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo deverá ser
declarado pelo sujeito passivo à Secretaria da Receita Federal do Brasil, até
30 de setembro de cada ano, quando: |
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I
- os atos ou negócios jurídicos praticados não possuírem razões
extratributárias relevantes; |
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Art. 8 |
A declaração do sujeito
passivo que relatar atos ou negócios jurídicos ainda não ocorridos será
tratada como consulta à legislação tributária, nos termos dos art. 46 a
art. 58 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972. |
Art. 9 |
Na hipótese de a
Secretaria da Receita Federal do Brasil não reconhecer, para fins
tributários, as operações declaradas nos termos do art. 7º, o sujeito passivo
será intimado a recolher ou a parcelar, no prazo de trinta dias, os tributos
devidos acrescidos apenas de juros de mora. |
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Art. 12 |
O descumprimento do
disposto no art. 7º ou a ocorrência de alguma das situações previstas no
art. 11 caracteriza omissão dolosa do sujeito passivo com intuito de
sonegação ou fraude e os tributos devidos serão cobrados acrescidos de juros
de mora e da multa prevista no § 1º do art. 44 da Lei
nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996. |