Artigos
Comentário – STF reconhece a repercussão geral de disputa relativa à incidência de ISS na industrialização por encomenda19/06/2015
Em
decisão datada de 08/06/2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a
repercussão geral de disputa referente à incidência de Imposto sobre Serviços
(ISS) em operações de industrialização por encomenda. O caso está sendo
discutido através do Recurso Extraordinário (RE) n° 882461, no qual uma empresa
comercializadora de peças de aço sediada em Contagem (MG) questiona decisão do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que determinou a cobrança do
tributo.
Industrialização
por encomenda é a operação por meio da qual um estabelecimento encomendante
remete insumos para industrialização a outro estabelecimento, denominado
industrializador, que, por sua vez, realiza a industrialização por conta e
ordem do encomendante, e o posterior retorno do produto beneficiado ao
estabelecimento encomendante. Observa-se, portanto, que a operação é realizada
com materiais fornecidos pelo contratante, configurando etapa intermediária do
ciclo produtivo da mercadoria.
O
uso da operação de industrialização por encomenda oferece aspectos vantajosos
do ponto de vista fiscal, na medida em que a remessa e o retorno dos insumos e
do produto beneficiado se dão com suspensão do IPI e do ICMS. Para tanto, é
fundamental que as especificações e requisitos previstos na legislação, federal
e estadual, para a operação, sejam estritamente observados.
Municípios
e Estados disputam a definição do campo de incidência do ISS ou do ICMS (Imposto
sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação) em
relação a essa atividade. A disputa se deve à dificuldade em afirmar com
segurança, em muitas situações, se uma operação é de prestação de serviços ou
de circulação de mercadoria, valendo a ressalva de que não podem incidir os
dois impostos simultaneamente.
A
controvérsia se intensificou após a publicação da Lei Complementar n° 116/2003,
que suprimiu, em seu item 14.05[1],
a exigência de que o objeto industrializado fosse destinado a usuário final
para ser considerado serviço, passível de incidência do ISS. Com essa
alteração, os Municípios interpretaram que as operações relacionadas no item
14.05 passaram a ser tributadas pelo ISS, mesmo que sejam destinadas a
comercialização ou industrialização futura, já que a redação anterior do dispositivo,
prevista no Decreto Lei 406/68[2],
exigia de forma expressa que os objetos provenientes da atividade não fossem
destinados à industrialização ou comercialização para que estivessem sujeitos
ao ISS.
Com
base na interpretação literal da legislação alterada, os Municípios passaram a
exigir ISS, ainda que a operação fizesse parte da cadeia de industrialização
onerada pelo ICMS e pelo IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Os
Estados, de seu turno, continuaram a entender que essas operações devem ser
consideradas industrialização por encomenda, sujeitas, portanto, ao ICMS.
Em
um primeiro momento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) posicionou-se no
sentido de que qualquer operação de “industrialização por encomenda”, desde que
se encaixasse em atividade prevista na Lista de Serviços da Lei Complementar n°
116/20013, estaria caracterizada como prestação de serviço, sujeita, portanto,
ao ISS[3].
Esse
entendimento foi rechaçado pelo STF, ao apreciar a questão em 13/04/2011, no
julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn)
4389 MC, relativa à incidência do ISS na produção de embalagens por encomenda,
para utilização em processo de industrialização ou circulação de mercadoria. Na
oportunidade, o STF avaliou o papel que a atividade exercia no ciclo produtivo,
chegando à conclusão de que as embalagens são qualificadas como típicos
insumos, não podendo a produção gráfica “personalizada e encomendada para uso
pontual, pessoal ou empresarial” ser equiparada com a “produção personalizada e
encomendada para fazer parte de complexo processo produtivo destinado a por
bens em comércio”, situando a fabricação de embalagens como um “evento que se
encontra no meio do ciclo de fabricação do produto final a ser colocado no
mercado”, e não com uma mera prestação
de serviços gráficos. Deferiu, assim, a medida cautelar para interpretar o art.
1º, § 2º, da Lei Complementar 116/2003 e o subitem 13.05 da lista de serviços
anexa, no sentido de reconhecer que o ISS não incide sobre as referidas operações.
Com
base nesse posicionamento, o STF decidiu que, quando um estabelecimento
encomendante contrata a industrialização de determinado produto por outro
estabelecimento (industrializador), haverá incidência de ICMS – e não de ISS –
se o produto resultante for destinado à utilização como insumo, ou
comercializado pelo estabelecimento encomendante.
O
RE n° 882461, recentemente recepcionado pelo STF sob o rito de repercussão
geral, foi interposto por empresa comercializadora de peças de aço, para
discutir a cobrança de ISS em relação à operação de corte de aço, que, segundo
afirma, constitui atividade meio para a comercialização do produto
industrializado (etapa de beneficiamento), cuja saída sujeita-se à incidência
do IPI e do ICMS. Argui, assim, a inconstitucionalidade das alterações
promovidas pela LC n° 116/03, que estenderam o campo de incidência do ISS às
atividades meio industriais, pleiteando ao final que seja dada interpretação
conforme ao item 14.05 da lista anexa à referida lei, para excluir as
atividades de industrialização por encomenda realizadas em etapa intermediária
do ciclo produtivo.
Cumpre
mencionar que o acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, entendeu que independentemente dos serviços prestados se inserirem na
cadeia produtiva do aço - configurando etapa intermediária -, do ponto de vista
da empresa deve ser visto como atividade fim, ou seja, o objeto contratado
junto à industrializador se encerra na prestação de serviços de beneficiamento
do metal. Decidiu, por fim, se tratar de hipótese de industrialização por
encomenda, prevista no item 14.05 da lista anexa à LC N° 116/2003, estando,
portanto, sujeita ao ISS.
O
Ministro Luiz Fux, relator do RE nº 882461, enfatiza que a questão é semelhante
àquela apreciada no julgamento liminar, pelo STF, da ADIn 4389, referente à
incidência do ISS na produção de embalagens. A importância da constatação de
existência da repercussão geral para o presente caso é que o STF analisará o
mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise deverá ser aplicada
posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos.
A
questão ganha relevância para as empresas na medida em que ISS e ICMS têm
impactos financeiros distintos nas operações das empresas em se tratando de
industrialização por encomenda: o regime do ICMS permite, observados os
requisitos da legislação, a suspensão do imposto nas
remessas e retorno de mercadorias em operação de industrialização por encomenda;
o ISS, por sua vez, incide sobre o valor total da despesa contratada com o
industrializador, o que, em tese, encarece a operação.
Desse
modo, após o julgamento do extraordinário, a ser realizado pelo pleno da
Suprema Corte, teremos uma posição consolidada da jurisprudência acerca da
tributação incidente sobre a industrialização por encomenda, com a consequente
exclusão do ISS ou o reconhecimento de que apenas este imposto, e não mais o
ICMS, deverá ser exigidos neste tipo de operação.
[1] “14 –
Serviços relativos a bens de terceiros:
14.05 – Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura,
beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização,
corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer.”
[2] “72. Recondicionamento, acondicionamento,
pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia,
anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos
não destinados à industrialização ou comercialização;”
[3] REsp 888852/ES,
REsp 1.097.249/ES, AgRg no Ag 1.279.303/RS e AgRg no Ag 1362310 / RS
Jurisprudência
- industrialização por encomenda |
||
|
||
Processo n° |
Órgão julgador |
Posicionamento |
ADIn 4389 |
STF |
O STF concedeu liminar para
interpretar dispositivos da Lei Complementar n° 116/2003, incluindo o item
13.05 da lista de serviços, para reconhecer que não incide o ISS na produção
de embalagens sob encomenda, para utilização em processo de industrialização
ou circulação de mercadoria. |
RESP 88852 |
STJ |
O STJ posicionou-se no sentido de que
qualquer operação de “industrialização por encomenda”, desde que se
encaixasse em atividade prevista na Lista de Serviços da Lei Complementar n°
116/20013, estaria caracterizada como prestação de serviço, sujeita,
portanto, ao ISS. |
RE 882461 |
STF |
Reconhecida a repercussão geral de
disputa relativa à incidência do ICMS em atividade de industrialização
integrante do processo do aço. O Ministro Luiz Fux, relator do RE nº 882461,
enfatiza que a questão é semelhante àquela apreciada no julgamento liminar,
pelo STF, da ADIn 4389, referente à incidência do ISS na produção de
embalagens. |