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Comentário – O tratamento do débito tributário na recuperação judicial e na falência
26/05/2015

A Constituição Federal consagrou, em seu art. 170, a proteção à liberdade de iniciativa no exercício de qualquer atividade econômica, elevando à categoria de princípios a livre concorrência, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.


A empresa tem ganhado cada vez mais relevo coletivo, e, ao lado do Estado, apresenta-se como colaboradora do desenvolvimento social e da economia do país. Não se pode ignorar o papel de grande destaque dessa entidade no cenário social e econômico. Por esse motivo, detém um tratamento jurídico todo especial quanto à sua preservação e subsistência.


É imprescindível ainda a adequação da legislação infraconstitucional a esses princípios, de modo a garantir a efetiva realização e preservação da atividade econômica, geradora de empregos e peça ímpar no crescimento econômico do país. Seguindo essa linha, foi editada a Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.


Os institutos da recuperação judicial, da recuperação extrajudicial e da falência do empresário e da sociedade empresária foram criados com o objetivo de viabilizar a superação de crise econômico-financeira do devedor, permitindo assim a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. Com isso, há preservação da empresa, da sua função social e a atividade econômica é estimulada.


A recuperação judicial requer, contudo, como condição à sua concessão, a obtenção, pela empresa requerente, de certidão negativa de débitos tributários (“CND”), ou positiva com efeito de negativa, o que inviabilizava e inviabiliza muitas empresas na tentativa de se utilizar do regime recuperacional.


Dessa matéria se ocupou o Código Tributário Nacional, que, em seu art. 155-A, §§ 3° e 4°, previu a possibilidade de parcelamentos de débitos tributários específicos para empresas em recuperação judicial (tendo em vista que o passivo tributário não pode ser incluído no programa de recuperação e isso poderia trazer dificuldades para as empresas em arcar com os débitos tributários).


A previsão do CTN impõe aos entes públicos tributantes (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) a incumbência de legislar sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial.


Até recentemente não havia legislação instituindo tais parcelamentos específicos para contribuintes em recuperação judicial, o que fez com que os tribunais, diante de tal demora do legislador, passassem a decidir dispensando as empresas de cumprir a obrigação de fornecimento de CND, e assim evitando a inviabilização da própria legislação de recuperação judicial de empresas.


Na esfera federal, contudo, lei específica para essa finalidade foi aprovada em 2014 (Lei n° 13.043/2014). Até então, como não havia legislação específica, a ordem era aplicar as leis gerais de parcelamento dos entes tributantes ao devedor em recuperação judicial. É dizer, na ausência de lei estadual, distrital ou municipal  prevendo parcelamento específico para contribuintes em recuperação judicial, deveria ser aplicada a própria lei geral dos Estados, Distrito Federal ou Municípios sobre parcelamento de débitos tributários.


Contudo, com a edição de lei específica no plano federal que versa sobre o parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial, é importante observar o disposto no art. 155, § 4°, do CTN. Segundo esse dispositivo, ao se aplicar as leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, o prazo de parcelamento não poderá ser inferior ao concedido pela lei federal específica, que, no caso, é de 84 meses. Sendo assim, não poderá um município conceder prazo menor se ele não possuir lei específica, por mais que a sua lei geral de parcelamento preveja um prazo de 60 meses.


A forma de cálculo prevista no art. 10-A da Lei n. 10.522/2002 (incluído pela Lei 13.043/2014) para esses parcelamentos específicos deve observar, ainda, percentuais mínimos, aplicados sobre o valor da dívida consolidada, nos seguintes termos: I - da 1a à 12a prestação: 0,666% (seiscentos e sessenta e seis milésimos por cento);  II - da 13a à 24a prestação: 1% (um por cento); III - da 25a à 83a prestação: 1,333% (um inteiro e trezentos e trinta e três milésimos por cento); e IV - 84a prestação: saldo devedor remanescente. 


Além disso, o parcelamento se aplica à totalidade dos débitos do empresário ou da sociedade empresária, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa da União, mesmo que discutidos mesmo que discutidos judicialmente em ação proposta pelo sujeito passivo ou em fase de execução fiscal já ajuizada, ressalvados exclusivamente os débitos incluídos em parcelamentos regidos por outras leis.


No caso dos débitos que se encontrarem sob discussão administrativa ou judicial, submetidos ou não à causa legal de suspensão de exigibilidade, o sujeito passivo deverá comprovar que desistiu expressamente e de forma irrevogável da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial, e, cumulativamente, renunciou a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem a ação judicial e o recurso administrativo.


A instituição do parcelamento federal não interfere na circunstância de que o contribuinte que pleiteia a recuperação judicial ainda necessita de certidão negativa nos âmbitos estadual e municipal. Na esfera estadual, o Conselho Nacional de Fazenda (Confaz), que reúne os Secretários de Fazenda de todas as unidades da Federação, aprovou em 2012 o Convênio nº 59, que prevê a possibilidade de concessão, por cada Estado, de parcelamento especificamente voltado para empresas em processo recuperacional. Com base neste convênio, alguns Estados já disponibilizam o referido parcelamento, cujas características se assemelham àquelas do parcelamento federal, ou seja, é formado por 84 parcelas e requer a inclusão de todos os débitos do contribuinte. Para os Estados e Municípios que ainda não detêm legislação específica, todavia, a via judicial ainda pode ser necessária, conforme o caso.


Outra característica elencada na Lei n. 11.101/2005 é a não suspensão das execuções de natureza fiscal pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento, nos termos do Código Tributário Nacional (CTN) e da legislação ordinária específica.


Muito se critica essa previsão, sob o argumento de que a tramitação da ação de execução fiscal poderá atingir momento processual em que haja constrição ou leilão de bens do executado, o que pode inviabilizar o cumprimento do plano de recuperação judicial, tendo em vista que tanto o patrimônio, como a possível realização de ativos, deverão estar contidos no referido plano e a arrematação de bens do executado  - em recuperação -lhe retira a possibilidade de cumprir o acordado junto ao juízo.


Quanto à ordem de classificação dos créditos na falência, a multicitada lei prevê, em seu art. 83, que deverão obedecer as seguintes prioridades :  I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a cento e cinquenta salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;  II – créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;      III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias; IV – créditos com privilégio especial; V –  créditos com privilégio geral; VI – créditos quirografários; VII -  as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias; VIII – créditos subordinados.
 

Além desta classificação acima citada, a Lei n. 11.101, em seu 84 identificou e estipulou a ordem dos créditos extraconcursais, que serão pagos com precedência sobre os créditos arrolados no artigo 83. São eles: I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência; II – quantias fornecidas à massa pelos credores; III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência; IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida; V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 da Lei.


Muito se criticou a alteração da ordem entre os créditos tributários e os créditos com garantia real, com prevalência destes últimos, por parecer, em princípio, uma inversão no grau de importância, dado o caráter de indisponibilidade do crédito tributário.



 No entanto, de acordo os objetivos delineados nos Pareceres da CAE e CCJ do Senado Federal a esse respeito, não há perda para o Fisco em decorrência de tal regime, exatamente porque seu objetivo é estimular a disponibilização de capital a investidores em geral, com a consequente alocação de recursos financeiros na atividade produtiva, visto que, dentre os detentores de créditos com garantia real, estão as instituições financeiras que, ao mesmo tempo em que têm a possibilidade de receber seus créditos anteriormente aos do Fisco, podem garantir a renovação de financiamentos, dando às empresas acesso ao crédito com menor custo. Assim, há a criação de maior número de instrumentos para a efetiva recuperação da empresa e a diminuição do custo do crédito.

Quadro - resumo - tratamento do débito tributário na recuperação judicial e na falência

 

Parcelamento de débitos tributários específico para empresas em recuperação judicial

 

Previsão

Condições

Art. 155-A, §§ 3° e 4°, do CTN

§ 3° Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial.

§ 4° A inexistência da lei específica a que se refere o § 3o deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica.

Art. 10-A da Lei n. 10.522/2002 (incluído pela Lei 13.043/2014)

Art. 10-A.  O empresário ou a sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação judicial, nos termos dos arts. 51, 52 e 70 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, poderão parcelar seus débitos com a Fazenda Nacional, em 84 (oitenta e quatro) parcelas mensais e consecutivas, calculadas observando-se os seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o valor da dívida consolidada:

I - da 1a à 12a prestação:

0,666% (seiscentos e sessenta e seis milésimos por cento);

II - da 13a à 24a prestação:

1% (um por cento);

III - da 25a à 83a prestação:

1,333% (um inteiro e trezentos e trinta e três milésimos por cento);

IV - 84a prestação:

saldo devedor remanescente.

§ 1o O disposto neste artigo aplica-se à totalidade dos débitos do empresário ou da sociedade empresária constituídos ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa da União, mesmo que discutidos judicialmente em ação proposta pelo sujeito passivo ou em fase de execução fiscal já ajuizada, ressalvados exclusivamente os débitos incluídos em parcelamentos regidos por outras leis.

§ 2o No caso dos débitos que se encontrarem sob discussão administrativa ou judicial, submetidos ou não à causa legal de suspensão de exigibilidade, o sujeito passivo deverá comprovar que desistiu expressamente e de forma irrevogável da impugnação ou do recurso interposto, ou da ação judicial, e, cumulativamente, renunciou a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem a ação judicial e o recurso administrativo. 

§ 3o O empresário ou a sociedade empresária poderá, a seu critério, desistir dos parcelamentos em curso, independentemente da modalidade, e solicitar que eles sejam parcelados nos termos deste artigo. 

§ 4o Além das hipóteses previstas no art. 14-B, é causa de rescisão do parcelamento a não concessão da recuperação judicial de que trata o art. 58 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, bem como a decretação da falência da pessoa jurídica.

§ 5o O empresário ou a sociedade empresária poderá ter apenas um parcelamento de que trata o caput, cujos débitos constituídos, inscritos ou não em Dívida Ativa da União, poderão ser incluídos até a data do pedido de parcelamento. 

§ 6o A concessão do parcelamento não implica a liberação dos bens e direitos do devedor ou de seus responsáveis que tenham sido constituídos em garantia dos respectivos créditos. 

§ 7o O parcelamento referido no caput observará as demais condições previstas nesta Lei, ressalvado o disposto no § 1o do art. 11, no inciso II do § 1o do art. 12, nos incisos I, II e VIII do art. 14 e no §2o do art. 14-A.

 

Ordem de classificação dos créditos na falência

 

Previsão

Conteúdo

Art. 83, da Lei 11.101/2005

 Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

        I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;

        II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;

        III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;

        IV – créditos com privilégio especial, a saber:

        a) os previstos no art. 964 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;

        b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;

        c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia;

        d) aqueles em favor dos microempreendedores individuais e das microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006        (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

        V – créditos com privilégio geral, a saber:

        a) os previstos no art. 965 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;

        b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei;

        c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;

        VI – créditos quirografários, a saber:

        a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;

        b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento;

        c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;

        VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias;

        VIII – créditos subordinados, a saber:

        a) os assim previstos em lei ou em contrato;

        b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.

Art. 84, da Lei 11.101/2005

Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:

        I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência;

        II – quantias fornecidas à massa pelos credores;

        III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência;

        IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida;

        V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.