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A fiscalização da Lei do Bem18/11/2014
A Lei do Bem – Lei nº 11.196, de 2001 -, concretizando uma
política de fomento à competitividade da economia brasileira e ao
desenvolvimento nacional, instituiu incentivos fiscais às atividades de
pesquisa e desenvolvimento destinadas à geração de inovação tecnológica dentro
do território brasileiro, o principal dos quais é a exclusão do lucro líquido,
na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, do valor
correspondente a até 60% da soma dos dispêndios realizados no período de
apuração com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica.
São elegíveis para a apropriação dos benefícios, nos termos
da legislação, projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, que,
altamente complexos, exigem, para sua análise e compreensão, vasto espectro de
conhecimento técnico sobre as respectivas áreas do conhecimento e setores da
economia. Tais circunstâncias levaram o legislador a promover um controle
específico do caráter de inovação tecnológica dos projetos de pesquisa e
desenvolvimento em relação aos quais o contribuinte pretenda se apropriar de
incentivos fiscais. Assim o fez o legislador ao determinar ao contribuinte o
dever de remeter anualmente informações técnicas sobre os projetos submetidos
ao regime de benefícios fiscais (parágrafo 7º do artigo 17 da Lei nº 11.196, de
2005); e ao outorgar ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) a
competência para analisar os projetos quanto ao seu caráter tecnológico
vis-à-vis os critérios de elegibilidade da legislação (artigo 14 do Decreto nº
5.798, de 2006).
Nesse contexto pragmático de controle dos critérios de
elegibilidade das atividades submetidas ao beneficio fiscal, uma questão
desponta como de primordial relevância, que é a competência do MCTI vis-à-vis a
competência da Receita Federal nesta seara, especialmente quanto aos atos
levados a cabo pelo MCTI na fiscalização da Lei do Bem, e sua eficácia,
vinculante, ou não, para o órgão de fiscalização tributaria.
A Receita Federal e o Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação têm competência para fiscalizar a Lei do Bem, cada um em sua seara
O MCTI tradicionalmente recepciona as informações fornecidas
anualmente pelos contribuintes que usufruem do regime incentivado e analisa os
projetos da Lei do Bem por meio de pareceres, procedimento que, até então
carente de uma normatização especifica, passou a contar com regulamentação
própria com a Portaria MCTI nº 715, de 16 de julho.
Pareceres são tipicamente opinativos requisitados pela
autoridade administrativa junto a consultorias técnicas, que emitem opinião de
especialista sobre o caso posto à sua análise, a nutrir a administração com
informações técnicas que eventualmente irão instrumentalizar um ato
administrativo, este sim, que irá tocar a esfera jurídica da administração e do
particular. Por consubstanciar um mero opinativo que não vincula a
administração pública, é dizer, não gera direitos ou obrigações para o ente
público ou para o particular, entende-se que o parecer não é, ele próprio, uma
decisão, não sendo passível, por exemplo, de recurso administrativo ou
judicial, tampouco objeto de mandado de segurança.
O denominado parecer circunstanciado, emitido pelo MCTI
(artigo 3º da Portaria MCTI nº 715/2014), contudo, difere do típico parecer
opinativo que via de regra exsurge no contexto da administração pública. Com
efeito, a doutrina e a jurisprudência reconhecem o caráter distinto de parecer
que é voltado não internamente à própria administração, como um opinativo
técnico facultativo, mas sim ao administrado, como ato administrativo
mandatório em determinado procedimento, tangenciando a esfera jurídica subjetiva
do particular, como ato propriamente decisório. Essa é precisamente a hipótese
do parecer circunstanciado emitido pelo MCTI, que não apenas decorre do
exercício da aptidão do MCTI enquanto órgão titular de competência no bojo dos
programas de incentivos fiscais para o desenvolvimento tecnológico, mas é
especificamente ato obrigatório no procedimento de fiscalização da Lei do Bem.
Mais ainda, o contribuinte que tenha seus projetos
considerados pelo MCTI desconformes aos critérios legais definidores de inovação
tecnológica, pode, com base no parágrafo 5º do artigo 3º da Portaria MCTI nº
715/2014, apresentar pedido de reconsideração contra o parecer circunstanciado,
o que confirma que dele exsurge eficácia jurídica da qual derivam direitos e
obrigações para a administração e o particular, servindo de base para
expectativas jurídicas e pretensões recíprocas, e, por conseguinte, para
eventual pretensão recursal e o interesse jurídico que dela se exige.
Daí que é o parecer circunstanciado ato administrativo de cunho
decisório, produzido no contexto de uma atividade fiscalizadora, direcionado ao
próprio particular e sujeito a recurso, de molde a dotar-se de caráter
vinculante para a própria administração, inclusive a Receita Federal, cujos
atos de fiscalização não podem contrariar o seu conteúdo.
Consolida-se, dessa forma, o âmbito competencial do MCTI,
numa vertente técnica que vem afinal conformar uma divisão do trabalho
administrativo entre o ministério e a Receita Federal, em que ambos detêm
competência na fiscalização da Lei do Bem, cada um em sua seara. O MCTI
fiscalizando os projetos de P, D & I quanto ao seu caráter de inovação e
sua elegibilidade para efeito da legislação; e a Receita Federal fiscalizando a
apuração na dimensão estritamente tributária, quanto a valores, contabilização
do benefício e apuração do saldo de imposto a pagar.
Aristóteles Moreira Filho é advogado, mestre em direito
tributário pela PUC-SP, LL.M. Kandidat na Ludwig-Maximilians Universität
München e doutorando em direito pela USP